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Goleiro calado
Goleiro calado

07-10-2013/10:04:54

Da propaganda às festas na Bahia: 40 anos de Dida, o 'goleiro calado'

Se ele não gosta de falar, amigos, ex-companheiros e colegas contam um
pouco da vida de um camisa 1 que entrou para história do futebol mundial

Mosaico Dida/foto:divulgação Globo Esporte

Dida é calado. Não fala com quem não lhe é próximo. Foge dos microfones como os atacantes tentam se desvencilhar dele. Em toda a sua vida, topou aparecer em apenas uma propaganda. Sua participação, claro, foi em silêncio. Assim, imaginá-lo uma pessoa festeira e até confundida com um ladrão soaria como algo surreal. Ele mais parece uma das tantas lendas da pequena Irará, cidade a 130 quilômetros de Salvador que viu há 40 anos nascer Nelson Jesus da Silva, um dos seus dois filhos mais famosos. Pois o goleiro, ao chegar à quarta década de vida, nesta segunda-feira, tem uma rica história – dentro e fora do campo – antes de ser destaque de um Grêmio que ainda sonha em ser campeão brasileiro. É um herói para o seu povo e para ex e atuais colegas de futebol. Um herói que faz de tudo, menos falar.

O berço de Dida é uma cidade de menos de 30 mil habitantes, perto da Santo Amaro, de Caetano Veloso. Tem a cara da época das capitanias hereditárias. Cultiva o ar colonial e a calma do interior, o que ajuda a explicar a tranquilidade do atleta. Mas também tem as suas festividades, tradicionais do Nordeste. O Bloco das Negrinhas é o maior do carnaval. A Lavagem da Igreja, na última semana de janeiro, repetida há mais de cem anos, marca a padroeira da cidade, Nossa Senhora da Purificação dos Campos. O camisa 1, porém, não se faz presente em nenhuma. A agenda impede. Mas sempre que pode curte o São João, em junho. Integra o bloco Jeguerê, o maior da região, que conta até com trio elétrico. Claro, recusa os convites para desfilar. A timidez não lhe permite. Aproveita no chão mesmo, comendo acarajé e tapioca.

– Ir à festa é uma das maneiras que ele tem de se manter perto dos seus. Fui uma vez, a convite dele, com a família. O homem se diverte quieto – lembra o ex-lateral-esquerdo Serginho, com passagens por Cruzeiro, São Paulo e Milan, amigo de Dida há 15 anos e seu atual empresário.

Sem falar, sem fotografar

É tradição: Dida sempre visita a família e curte a cidade nessa época. Enquanto esteve na Europa, era mais fácil, afinal, as férias no meio do ano ajudavam. No Brasil desde 2011, porém, com o Brasileirão a toda, está impedido de ir. A última foi em 2010, quando o bloco o homenageou. A camiseta ganhou as cores da seleção, e o mascote, um jegue, o fardamento azul do Brasil. A ligação, entretanto, é forte. O atleta chegou até a comprar um sítio na cidade para melhor acomodar a mulher, Lúcia, e os filhos Luís Miguel, 8, e Helene Vitória, 12, durante a estadia. A cada visita, no entanto, acaba passando mais tempo é com o pai, Isaltino, a mãe, Celice, as cinco irmãs e os quatro irmãos. Também não esquece das origens. Ajuda financeiramente a orquestra filarmônica de Irará e investiu na Liga Municipal de Futebol Amador. É o iraense mais ilustre, ao lado do músico e compositor Tom Zé.

– Só aqui ele consegue se divertir. Mas nós o respeitamos. Tem poucos momentos de descanso, então, evitamos incomodá-lo. Até porque é quieto. Tirar foto, então, é muito raro – conta Marcílio Cerqueira, conhecido da família e espécie de fotógrafo oficial da cidade.

Todavia, foi longe de Irará que Dida nasceu ao futebol. O pai se mudou cedo para Alagoas e levou a família, igualmente muito reservada – ninguém aceita falar sobre o filho famoso. No estado vizinho, em Arapiraca, Dida começou no ASA e depois passou pelo Cruzeiro. Só aos 16 anos começou a realizar o sonho de ser jogador, um sonho cultivado enquanto criança ao ler edições da revista "Placar". Um olheiro o levou ao Vitória. De volta à Bahia, subiu ao profissional três anos depois. No porte dos seus 1,95m, convenceu o treinador Fito Neves de que poderia ser titular. Virou destaque daquele time vice-campeão brasileiro em 1993, quando foi parado apenas para o Palmeiras de Edmundo, Zinho, Evair e companhia na final.

A derrota fora um detalhe. Àquela altura, Dida havia conquistado admiração. Seria fundamental ao ajudar o time a derrotar equipes como Flamengo, Santos e Corinthians para chegar à decisão. Reflexo apurado, firmeza nas defesas e boas saídas de gol pautaram a campanha dele. Talvez o maior trunfo daquela temporada pouca gente saiba, afinal, acontecia nos treinos. Roberto Cavalo, meia e capitão, autor de nove gols de falta em 12 partidas consecutivas do torneio, conseguiu tamanho desempenho graças do colega.

– Eu nunca conseguia fazer gol de falta nele nos treinos. Dida era incrível. Um talento desde jovem. Me obrigava a bater com muita força e efeito. Nem assim o vencia, mas era o suficiente para descontar nos outros times – recorda o ex-jogador, atualmente treinador sem clube.

Cavalo era o mais experiente de uma equipe recheada de garotos. Dida, um deles. Naquela época, a timidez já chamava a atenção. O antigo meia questionava o motivo de tamanha vergonha. Ouvia: "É o meu jeito". Nem uma confusão policial foi capaz de mudar a personalidade. Mesmo que momentânea. Paizão do grupo, o então camisa 8 era o responsável por dar carona aos jovens. Dida, Paulo Isidoro e Alex Alves estavam no Ômega de Cavalo. Deixaram o Barradão após mais um treino. E o veículo foi parado por agentes de segurança. Ao gritos de "Parem, ladrões, é a polícia".

– O carro estava lotado, eles desconfiaram e mandaram parar. Apontaram as armas para a gente. Todos desceram com medo. Dida foi o único que não falou. Explicamos, nos reconheceram. E tudo ficou esclarecido. Nos pediram desculpas e nos liberaram. Dida é assim: só responde o que lhe perguntam. Se falar naturalmente, é chuva na certa – completa Cavalo.

Comercial mudo

A temporada seguinte seria no Cruzeiro, de Belo Horizonte. A contratação mudaria a vida do jogador. Foi uma parceria de intenso sucesso. Dida, calado, e o clube, no maior estilo mineiro, comendo pelas beiradas, seriam campeões da Copa do Brasil e da Libertadores em dois anos seguidos. O goleiro chegaria à Seleção. E aí...

As Olimpíadas de 1996, em Atlanta, nos Estados Unidos, eram a esperança da tão sonhada medalha de ouro. Dida, Aldair, Roberto Carlos, Bebeto e Ronaldo davam pinta de campeão ao time comandado por Zagallo. Acabou em derrota para a Nigéria, na semifinal. Antes, o goleiro se envolveria em duas confusões com Aldair. Duas saídas erradas, duas trombadas, dois gols adversários. A má fama repentina gerou crise, mas criou as condições para explorar o marketing, algo incomum na carreira. Um comercial da Volkswagen, com Dida espremido em nveículo Gol, ouvindo o treinador implorar "sai do gol" ganhou as telas de todo o país. Claro que o arqueiro não pronunciou uma palavra. Só balançou a cabeça negativamente, como quem dissera que não há lugar melhor para estar.

– Foi uma brincadeira sadia, ele topou na hora. Lembro que só não queria falar. Aceitamos pelo que foi exposto. E estava enaltecendo o próprio Dida. Ele preenchia o Gol todo, como no campo – lembra Zagallo, aos 82 anos, acrescentando que o havia convocado para a reserva, porém, mudou de ideia tamanho o bom desempenho nos treinos.

A cena surpreendeu a todos. Gottardo, ex-zagueiro e capitão do time celeste campeão da América de 1997, com direito a Dida fechando o gol na semifinal com o Colo Colo e na final diante do Sporting Cristal, tem uma visão diferente: entende que ter feito a propaganda foi um achado na vida do ex-companheiro:

– Ele é tímido, e isso lhe deu ganhos e perdas. O lado negativo, e falo porque também passei por isso, é não saber usar a imagem. Coisa que goleiros inferiores a ele souberam fazer e tiveram mais destaque. Tudo tem um preço na vida. A timidez não perdoa. O marketing fez parte da carreira. Descobri isso tarde, e Dida nunca utilizou. Ele é reservado ao extremo, fiel aos bons princípios. Fiquei surpreso ao ver aquilo na TV, mas foi um achado na vida dele. Aproveitou a fama. O fato é que falaram mal, mas a imprensa brasileira não sabe avaliar a função goleiro. Dida falha muito pouco. Quase nunca vi. E frango, jamais tomou. Eu não lembro.

Pacto feito, pacto respeitado

A verdade é que, a partir de 1996, Dida passou a ser figura na Seleção. Na Copa de 98, foi reserva de Taffarel. Viu de perto o problema com Ronaldo às vésperas da decisão contra a França. Voltou ao Brasil, e no primeiro treino no Cruzeiro Gottardo se aproximou e perguntou o que havia ocorrido. A resposta:

– Gottardo, eu não falo. O que aconteceu lá fica lá.

E o assunto morreu. Dida é mesmo fiel aos seus princípios. Combinou, está combinado. Não muda. O que não mudou também foi a condição de suplente. De Marcos em 2002, no pentacampeonato. Seria titular em 2006, quatro anos depois, mas o sonho de ser campeão no campo terminaria nas quartas de final, contra a França.

– Ele ficou sentido como todos nós. Mas reagiu do mesmo jeito. Tranquilo, sereno e calado. É assim nas vitórias também – conta o ex-volante Emerson, companheiro de Seleção, de Milan, de Grêmio (como auxiliar técnico de Vanderlei Luxemburgo) e amigo há mais de uma década.

Emerson nunca esquece de duas passagens. Ri ao contá-las. A primeira, em 2003, final da Liga dos Campeões da Europa. Milan x Juventus. Dida defende três cobranças de pênaltis na decisão. A última, de Montero, permitiu a Shevchenko converter e dar o título ao Milan. O ucraniano saiu correndo, vibrando, enlouquecido. E Dida? Normal. A mesma reação na recente confusão pós-empate do Grêmio com o Huachipato, no Chile, pela Libertadores deste ano, com briga generalizada entre jogadores. Emerson estava lá. Nas duas. E viu:

– Saiu caminhando, parecia que estava passeando. Ele vive no mundo dele. Uma tranquilidade, uma paz incrível.

Foi no Milan, após grande passagem pelo Corinthians, campeão brasileiro e do mundo, que Dida atingiu o auge. O começou foi ruim, tanto que os italianos o emprestaram ao Timão, pelo qual pegaria dois pênaltis de Raí na semifinal do Brasileirão de 1999. No mesmo jogo. Pouco depois, defenderia também a cobrança do francês Anelka, no Mundial de 2000 contra o Real Madrid. No mesmo torneio, agarraria a penalidade batida por Gilberto, do Vasco, na decisão do título. E seria campeão após o erro de Edmundo. Ganharia assim a fama de grande pegador de pênaltis.

Voltaria ao Milan e seria "o" goleiro em uma terra de goleiros. A Itália tem Gigi Buffon, Dino Zoff, Zenga, Pagliuca, Sebastiano Rossi. Dida foi eleito o goleiro reserva da seleção de todos os tempos do Milan. Atrás de Rossi. Ganhou tudo. Da Copa da Itália ao Italiano, passando pela Liga dos Campeões e pelo Mundial. De acordo com Emerson, nunca deu uma entrevista por lá. Sofreu com o idioma. Preferia passar sempre com os amigos brasileiros no condomínio de San Siro, que o Milan dedica aos seus jogadores. Gostava das rodas de pagode, embora cantasse baixinho.

Serginho, porém, revela o lado brincalhão do amigo. Conta ele que certa vez, no clube italiano, Dida era o alvo preferencial das brincadeiras de vestiário. Quieto, despertava a atenção dos companheiros. Pois ao chegar ao treino, todo garboso, com uma sandália Rider, despertou gozação pelo tamanho do pé. O treino prosseguiu normalmente, mas na volta o calçado estava todo cortado. Em pedaços. O que Dida fez? Conta, Serginho:

– Levou na esportiva. A gente queria que ele falasse algo. Mas pegou esparadrapo, juntou os pedaços. E pronto. Saiu caminhando e, ao ver os colegas, acenou positivamente. Saiu por cima. O Dida é assim. Gente boa. Todos gostam dele. Mas ele é quieto. A força está aí.

Máquina de treinar

Uma força que demorou a aflorar no Grêmio. Contratado a pedido de Vanderlei Luxemburgo, que desejava ter um arqueiro mais experiente na Libertadores, Dida desbancou Marcelo Grohe, o preferido da torcida. Havia desconfiança, afinal, vinha da Portuguesa, logo após ficar dois anos parado. Uma desconfiança que começou a ser quebrada com a defesa de pênalti de Everton Ribeiro, do Cruzeiro, a primeira e única pelo Tricolor. Desde a chegada de Renato Gaúcho, as atuações melhoraram. É destaque de uma defesa que não toma gol há cinco jogos, é a terceira melhor do Brasileirão.

Mesmo em alta, ele não fala. Nunca. Ou quase nunca. Concedeu uma única entrevista coletiva. No dia em que foi apresentado como jogador do Grêmio. Depois disso, só falas esporádicas na saída de campo. Nem mesmo quando impediu o gol do camisa 10 do líder do campeonato ele falou. Repórteres o aguardaram até o início da madrugada. Nada. Nem uma palavra.

– É claro que tem o treino feito pelo Renato, mas muito é do Dida. Qual foi o último gol sofrido de bola parada? É 90% da postura dele. O posicionamento, a orientação. Dida só fala dentro de campo – conta Emerson, antigo auxiliar de Luxa.

– Quem consegue ficar dois anos parado e voltar em alto nível? Só o Dida – completa Serginho, o homem que fez o negócio com o Tricolor.

Kleber, atual companheiro, com o qual Dida costuma sair para jantar em Porto Alegre, atesta a eficiência do camisa 1:

– Dida é um cara espetacular. Ele nos ajuda muito, tem uma experiência incrível. Orienta os mais jovens. Nos dá uma segurança lá atrás.

No Grêmio, aos poucos, o estilo dele foi conhecido. Dida é definido como uma "máquina de treinar". No dia seguinte a jogos, por exemplo, enquanto os titulares fazem trabalhos regenerativos, o goleiro vai a campo com os demais colegas de posição. Faz o mesmo trabalho. Precisa ouvir um "não" para não ultrapassar o limite físico do corpo.

Se suportou 40 anos, suportará mais. Ninguém sabe dizer por mais quanto tempo, mas todos têm a certeza de que ele poderá atuar por quanto tempo quiser. Só Dida, na verdade, tem a resposta. Resta ele falar para divulgá-la...

Fonte:Globo Esporte