04-12-2013/10:08:27
Prédio de campeões do mundo terá vista de camarote no fim do Olímpico
Residencial localizado na Rua Eurico Lara escapa do perímetro de exclusão da implosão. Moradores já vivem clima de nostalgia
Prédio na Coriga vira "camarote" para implosão (Foto: Lucas Rizzatti/Globoesporte.com) |
O espanto e a satisfação vêm de um entre as dezenas de porteiros, que, abrigado em sua pequena guarita, é um dos responsáveis por salvaguardar o bem-estar de mais de 2 mil pessoas, todas moradoras do emaranhado de seis blocos que compõe o Condominio Edificio Residencial Presidente Castelo Branco - ou Coriga, como é mais conhecido desde sua inauguração em 1969. Na verdade, mais conhecido mesmo será quando o seu vizinho mais ilustre tombar. Cravada no limite do perímetro de exclusão definido pela prefeitura de Porto Alegre, essa fileira de concreto, janelas e gente, que já abrigou nomes importantes do futebol e até campeões mundiais, se transformará na melhor vista da cidade para se apreciar a implosão do Estádio Olímpico.
Apreciar talvez não seja a palavra mais adequada. Afinal, a Coriga se divide em orgulho por virar uma espécie de "camarote" do momento histórico e pura melancolia, e até insatisfação, com o fim da casa tricolor, inaugurada em 19 de setembro de 1954 e que hoje dá lugar à Arena, no Bairro Humaitá.
A ligação dos prédios com o clube é mais intrincada do que a mera localização. Apenas uma praça e a avenida Gastão Mazeron os separam. E a praça leva o nome do Grêmio. Sem contar que a rua da Coriga ganhou a alcunha de Eurico Lara, lendário goleiro tricolor nos anos 1920 e 1930, que tem seu nome no hino e fez fama na "Era Baixada", a primeira morada azul, no bairro Moinhos de Vento.
A Coriga também foi a casa de boleiros conhecidos. Os campeões do mundo pelo Grêmio em 1983 Paulo César Magalhães e Tonho já moraram em seus blocos nos tempos de juventude. China foi outro que, embora não tenha fixado residência no local, frequentava a região. Gostava do chivitos, lanche típico uruguaio, servido num dos trailers em frente ao prédio.
Até Renato Gaúcho, no início dos anos 1980, passou por ali. Não foi para morar e muito menos com a intenção de matar a fome. O primeiro piso do sexto e último bloco, casa de Paulo César, servia também para as festas dos garotos. Perto do Olímpico, mas longe o suficiente do olhar reprovador da comissão técnica.
- Ele (Renato) também fazia seus gols por lá - se diverte o ex-lateral-esquerdo, titular da decisão em Tóquio contra o Hamburgo, em 1983, vencida com dois gols do atual técnico do Grêmio.
O goleiro reserva Marcelo Grohe, hoje reserva de Dida, também fez do condomínio moradia no início da carreira. Até empresários agora consolidados passaram pela Coriga, caso de Jorge Machado, responsável por transações de nomes como o atacante Rafael Sobis e o volante Fernando, ex-Grêmio. Mas talvez o seu anfitrião mais ilustre seja um colorado assumido. O capitão do Tetra e técnico Dunga tinha três apartamentos. Vendeu um e está para se desfazer do outro. Mas ainda conserva um deles no primeiro bloco, de acordo com José Paulo Fernandes, síndico do complexo.
- Essa zona aqui cheira a futebol - suspira José, já com ar de nostalgia, lembrando que também jogara na dupla Gre-Nal, em seus tempos de garoto de categorias de base.
Caso bem diferente de Carmen Regina Vieira. A aposentada de 58 anos jamais pisara num campo de futebol, nem mesmo o Olímpico do qual tão bem fala. Mesmo assim, ganhou de presente uma das melhores visões para a implosão do estádio.
Comprou o apartamento em fevereiro após deixar Criciúma com o marido Carlos Francisco - esse um gremistão doente, garante -, quando o antigo palco tricolor já estava se despedindo como morada do clube. Do quarto andar, da janela de um dos quartos, não tem nenhum impedimento. O Olímpico naturalmente se descortina diante dos olhos. Olhos já saudosos. De tudo. Até do barulho da rua que jamais ouvirá.
- É um pecado destruírem. Acho triste - lamenta já que, da janela, testemunhara ainda quatro partidas no Olímpico, pelo Gauchão. - Em dias de jogos, as pessoas passam com seus carros, cantando pelo time, admirando a construção. Nunca mais vão gritar.
Carmen não tem só saudade. Também se preocupa com os efeitos da implosão em seu apartamento. Questiona, faz perguntas, quer saber: "vai estremecer, vai fazer poeira, é seguro?".
A OAS e a Ramos Andrade, responsáveis pela implosão, já se reuniram com a administração da Coriga para acertar esses detalhes. A Rua Eurico Lara ficará bloqueada por oito horas. Ou seja, não haverá saída para os moradores. Quem decidir ficar, portanto, terá à disposição ambulâncias. O síndico José Paulo Fernandes se preocupa com eventuais acessos de emoção, até pela grande parcela de idosos e, por isso, faz questão de acompanhamento médico.
O raio de segurança, que exclui a Coriga, ficou entre 150 e 200 metros de distância do local da implosão. O cadastro social da área está praticamente concluído, mas ainda serão realizadas uma série de reuniões preparatórias entre representantes da OAS e os moradores. Cerca de 3 mil pessoas serão afetadas diretamente. Os vizinhos do Olímpico receberam visitas de profissionais da Ramos Andrade, empresa contratada pela OAS, que solicita às pessoas o preenchimento de um questionário, para facilitar a operação de retirada dos moradores no dia da implosão, bem como a elaboração do laudo social e do laudo físico dos imóveis.
A previsão é de que serão necessárias oito horas de afastamento dos moradores e seus animais de estimação, que também serão cadastrados (contabilizando o tempo desde a saída até o retorno), de suas residências. Será construído um local para os afetados pelo processo esperarem pela finalização do ato. No momento, o processo se encontra na fase de demolição mecânica do setor próximo aos camarotes - 25% da estrutura já fora destruída. O avanço é tanto que a rampa de acesso ao portão 12 foi ao chão, assim como a torre dos camarotes. O barulho desse último, por exemplo, chegou aos blocos da Coriga, numa prévia do que vem por aí.
A implosão não tem uma data certa para ocorrer, de acordo com a empresa de engenharia Ramos Andrade - além da assinatura do contrato entre Grêmio e OAS, é preciso a obtenção de três laudos ambientais e sua apresentação à prefeitura. Mas a saudade já toma conta da rua de Eurico Lara, dos apartamentos de Dunga e do antes agitado e mal dormido bloco dos campeões mundias de 1983. Onde o fervor de dias de jogos sumirá. E o camarote da Coriga deixará de contemplar a sua mais imponente casa de espetáculos.
Fonte: Globo Esporte